Paciência é
a palavra-chave. O tabuleiro em cima da mesa, as peças extremamente organizadas
e colocadas na sua posição inicial, esperam que alguém as mova fazendo a sua
jogada. A peça avança. O relógio pára. Agora é a vez do adversário. O tempo
continua para ele. Todos os segundos contam. A pressão atinge padrões
elevadíssimos. O suor escorre; as mãos ficam suadas; os olhos nem tremem. Uma
concentração inimaginável instala-se. E o jogo continua
São partidas que podem levar os
xadrezistas para casa sem nada. Jogadas que podem alterar a posição destes nos
rankings nacionais e mundiais. Desafios onde o pensamento está focado apenas e
exclusivamente no jogo que tem na frente. Jogadas arriscadas que determinam o
seu espaço no mundo do xadrez.
António Fróis titular do segundo melhor título vitalício de Xadrez –
Mestre Internacional (MI) em 1989, tem no seu vasto currículo inúmeras datas
marcantes. Considerado em 2006 e 2008 o melhor treinador do ano, tornou-se
treinador oficial da Fédération Internationale Des Échecs (Federação
Internacional de Xadrez - FIDE). Actualmente é treinador de alta competição da
Federação Portuguesa de Xadrez (FPX), e formador de treinadores da mesma.
Continua como jogador também de alta competição e é escritor de alguns manuais
de formação e livros em parceria com Sérgio Rocha.
Dedica inteiramente a sua vida à
modalidade e compara a própria vida a uma partida de xadrez. Refere que “as
decisões que são tomadas ao longo do nosso percurso, principalmente debaixo de
pressão, são feitas exactamente como no Xadrez”. António Fróis, impulsionador
da modalidade, tomou aos 22 anos a maior e melhor decisão da vida dele. “A mais
difícil, mas a mais acertada”, reflecte o mestre internacional.
O xadrezista tem hoje quase 50 anos,
há 28 que faz carreira como profissional e a sua vontade de saber mais, treinar
e jogar, ser divulgador e impulsionador de todo o conhecimento que tem, não o
deixam nunca perder as forças. Fala de todo o seu percurso com naturalidade e
um sorriso de eterno apaixonado estampado na cara. Intelectual, desajeitado,
com um nervosismo contagiante, António Fróis, começa assim a trilhar os
caminhos que ainda hoje pisa.
Na adolescência António Fróis procurava encontrar o seu caminho, sem
saber que rumo tomar. Seguindo os típicos passos de todos os jovens - estudar,
começou a formar-se em “Engenharia de energia e sistemas de potência, no ISEL”,
e fazia do xadrez apenas um hobbie. É então aos 22 anos, na Bélgica que
um jovem amigo e profissional o confronta e lhe diz: “Tens de decidir Fróis,
toma a decisão”, “encostando-o” à parede. “Não adies mais. Vai por um caminho
ou por outro, mas não fiques mais como estás”, incentivando-o desta forma a
partir para a sua grande aventura. “Só então percebi que aquilo não tinha nada
a ver comigo, não era nada daquilo que queria. Pensava eu que ia ser Engenheiro
(ri-se). Não tem nada a ver comigo. Sou mesmo de Letras”, indica António Fróis.
Hoje conta com alegria que
chegou a casa, foi à cozinha e informou os pais da sua decisão. A decisão que
actualmente o coloca no lugar em que está.
É um simples
tabuleiro que procura jogadas de génio. Num campo onde só se ganha com treino,
dedicação vontade e paixão. A sorte é posta de lado e para o mestre
internacional Fróis “perder mal não existe. O xadrez é muito concreto. Ou
ganhamos, ou empatamos, ou perdemos. A culpa ou mérito são sempre nossos”.
Fróis demostra ter um feitio
complicado quando a jogada não corre como deseja admitindo que “se não tivesse
mau feitio, não sobrevivia neste jogo”.
Conhecido
como o viajante esclarece: “ Quero estar sempre a viajar, de um lado para
outro. Por isso moro ao lado da estação. Isto aqui é só sair com a mala de
rodinhas, ir até ali e partir”, aponta António Fróis rindo-se. À procura de
oportunidades, jogadas importantes e provas renhidas, “alimenta-se” assim da
sua ânsia de viver intensamente o xadrez.
“Eu não me quero reformar, isso não
faz sentido nenhum. Se gosto do que faço, não quero parar”, refere. “Há uma
coisa que me dá muita pica, é ganhar dinheiro com o xadrez!”, ri-se António
Fróis.
Sérgio
Rocha, profissional de xadrez, co-autor dos livros, blogger e jogador da
selecção nacional, concorda com a afirmação de António Fróis, em que diz que o
xadrez pode ser jogado a sério ou a brincar, numa prisão ou num lar de idosos.
Diz que o xadrez é uma boa ocupação e serve para evitar o isolamento. Sérgio Rocha,
o amigo e sócio de Fróis não podia estar mais de acordo, dizendo que o xadrez é
ou pode ser uma ferramenta importantíssima no combate a algum tipo de exclusão
social, bem como pode servir ao indivíduo como simples lazer ou competição.
O director
da “Academia de xadrez António Mamede Diogo”, Luís Lima Santos e treinador de
grau 1, aponta o xadrez como tendo “uma vertente lúdica e uma vertente
desportiva de competição”. Reconhece o xadrez como uma modalidade pouco
dispendiosa e possível de ser jogado em todo o lado, com pessoas de todo o
mundo.
Para Sérgio
Rocha e muitos outros profissionais o xadrez é uma modalidade secundária com
enormes dificuldades em obter qualquer tipo de apoio e visibilidade apesar de
todas as qualidades que lhe são reconhecidas.
O
profissional de xadrez reflecte indicando que “a sociedade não está
culturalmente preparada para que as pessoas possam ter profissões que não as
tradicionais ou hipocritamente aprovadas pela mesma sociedade”, referindo-se ao
caso de António Fróis.
“Trata-se de uma paixão e de um
acreditar profundo nas capacidades e qualidades da modalidade, por isso luto
todos os dias para que a modalidade possa ser sempre melhor”, refere Sérgio
Rocha.
António Antunes, primeiro
Grande Mestre português de xadrez, indica que está afastado do xadrez de
competição há já 10 anos, mostrando no entanto que é um apaixonado pela
modalidade.
“O xadrez é
considerado um misto de ciência, arte e desporto. Ciência porque exige
cálculos, lógica e até formulas. Arte, porque existem combinações magníficas,
estudos artísticos e uma harmonia de jogo. Desporto, porque se joga para
competir, ganhar, para ser o melhor”, enumera António Antunes.
O Grande Mestre refere ainda
que “no xadrez de competição de alto nível existe outro factor muito
importante, a psicologia. Como se joga entre duas pessoas, o conhecimento
profundo dos jogadores é fundamental. Conhecer a personalidade não só do
adversário mas também de si próprio”.
Acrescenta
ainda que “esta complexidade do xadrez exige que para ser bom jogador, há que
ter jeito ou talento como lhe queiram chamar, eu diria antes que há que ter
umas certas características”. Comparando o xadrez ao atletismo, exemplificando
que nem todos podem ser bons corredores e fazer uma maratona por muito que
treinem.
“Para ser bom jogador de xadrez
tem de se ter características de cientista, artista, desportista e ser um bom
psicólogo, tudo ao mesmo tempo. Por muito que se trabalhe, se treine se
esforce, senão se tiver essas características não se consegue ser um grande
jogador de xadrez” conclui António Antunes.
António
Fróis, um homem bastante inquieto, conta que muitas pessoas lhe diziam que não
seria possível ser jogador de xadrez, devido ao stress que o acompanha.
No entanto Fróis contrapõe dizendo “sou bastante nervoso, mas tenho outras
qualidades que ultrapassam isso”, mostrando conseguir ter o controlo necessário
sobre si mesmo.
“Dormir bem, comer bem, fazer
exercício e trabalhar, trabalhar e trabalhar. Acreditar em nós próprios e ser
paciente, esperando resultados”, são características que Luís Lima Santos,
enumera como sendo as que podem tornar um simples jogador num bom jogador. “Ter
carácter, capacidade de trabalho e organização. Amor ao xadrez. Humildade e
resistência à dor da derrota” são ainda algumas das características que
acrescenta como sendo essenciais existirem na personalidade de um forte
profissional.
Caracteriza Fróis como
inteligente e íntegro, com elevado sentido de responsabilidade, corajoso e
feliz.
O grande
mestre, António Antunes, indica ainda como característica principal de Fróis, a
conjugação que faz das peças, a harmonia com que ele constrói o seu jogo.
O filho do Mestre Internacional
Fróis, Luís Fróis, considera interessante o facto de poder dizer: “o meu pai é
jogador e mestre de xadrez”.
“Tenho orgulho em saber que ele
se sai bem numa área que à partida pode parecer pouco promissora”, diz Luís
Fróis. Acrescenta ainda que “as pessoas que conhecem o meu pai consideram-no
uma pessoa competente, bastante apressada e sociável”.
Aponta algumas das
características da personalidade do pai, que considera mais interessantes: “o
meu pai é um homem que gosta que as coisas sejam bem-feitas. A pressa com que
costuma andar não o atrapalha, conseguindo sempre que no fim as coisas fiquem
como deve ser”.
O xadrez é
uma modalidade que traz muitos benefícios, mas está ainda muito aquém de
atingir os níveis elevados de competição que se vivem lá fora. “O xadrez é uma
moda neste momento no mundo. Mas em Portugal, por questões culturais, está
esquecido”, refere António Fróis. É necessária a divulgação da modalidade nos
mais diversos meios de comunicação.
Em Portugal o xadrez não é
compreendido pela generalidade das pessoas, sabem que se joga num tabuleiro com
umas certas peças, mas nada mais. A nível de competição Portugal é um país com
valor medíocre.
António Antunes esclarece: “Eu
enquanto joguei fui quase sempre (creio que durante 14 anos) o nº 1 de Portugal
no ranking mundial, e o melhor lugar que consegui no ranking foi a posição
número 112, estando o 2º português cerca do 300 ou 400 do ranking. Isto serve
para ilustrar que somos um país fraco, até hoje nunca tivemos ninguém nos 100
primeiros do mundo”, explica o Grande Mestre (melhor título vitalício no
xadrez).
“A nossa geração (minha e do
Fróis) e outras gerações em que as pessoas eram autodidactas, tem maior número
de bons jogadores, talvez porque o xadrez é um desporto individual e precisa de
paixão”, indica António Antunes.
Luís Lima Santos, também pai
dos alunos do Mestre Internacional, refere que Fróis é um visionário, que
coloca a prática do xadrez na medida do tempo que se lhe dedica.
“Compete-nos a nós do meio do
Xadrez lutar contra isso. O primeiro passo é que cada xadrezista tenha orgulho
em “ser xadrezista””, conclui António Fróis.
Luís Lima
Santos refere que “enquanto cidadão tenho uma ideia de um xadrez pouco
divulgado, tal e qual todas as modalidades desportivas que não são associadas
ao futebol”. Acrescenta ainda que “a vertente do xadrez no ensino deveria ser
explorada pelas entidades portuguesas (Ministério da Educação e Ciência) como
potenciadora do sucesso escolar”.
António Fróis alerta para o
facto de que se desconhecem muitos dos benefícios e vantagens que provêem do
xadrez. Esta modalidade deveria ser utilizada com diversas finalidades, entre
as quais, como actividade nas escolas para crianças, permitindo-lhe desenvolver
capacidades de concentração e comportamento mais exemplares. Melhorar o sucesso
escolar através do treino do xadrez, desenvolvendo a lógica matemática, entre
outras.
“Para mim é evidente, acho que
o xadrez é uma ferramenta prática para mudar determinados aspectos na
educação”, indica António Fróis, como pai e enquanto xadrezista e treinador.
O xadrez é trabalhado também
como prevenção ao Alzheimer, para públicos-alvo como a terceira idade e até
como prevenção ao isolamento nas instituições como lares de idosos e prisões.
“O xadrez é acessível a todos, em qualquer idade. Basta as pessoas quererem
aprender”, refere Fróis.
Estudar xadrez é algo para toda
a vida. Pode estudar-se a qualquer hora. Pode-se aprender a ver jogar outros
jogadores e observar como eles reagem e pensam. Pode aprender-se xadrez ouvindo
os colegas, os mestres e interagir com estes.
António Fróis indica ainda que
“o xadrez exige profundidade e a sociedade de hoje vicia-nos na pressa. Os
conceitos levam tempo a interiorizar e só depois ficam para toda a vida. Ter
alunos que acreditem nisto é o primeiro passo, mas é um passo de gigante”.
“Admiro o MI António Fróis pela
sua decisão e acho que seria muito beneficiado se mais pessoas houvesse a
dedicar a vida ao xadrez como negócio e forma de estar. O Fróis é feliz (esta é
a máxima que devemos tirar desta vida), é culto, é inteligente e sobretudo faz
o que gosta”, conclui Luís Lima Santos.
O mestre internacional António
Fróis esclarece: “O meu estímulo começou quando disseram que não era possível fazer
isto como vida, e agora já mostrei que é. Toda a gente dizia que eu morreria de
fome. Os meus únicos apoiantes foram os meus pais (ambos músicos) e os
estrangeiros. Nunca houve apoio por parte dos portugueses”.
“Gostava de
um dia ser recordado como uma pessoa que tudo o que fez foi com muita paixão e
muito a sério e dando sempre o máximo em tudo. O xadrez é inesgotável e
continuo a ter a mesma vontade de aprender e de tentar entender cada vez mais”,
conclui António Fróis.
"Entrevista de Marina Fernades"